sábado, 4 de dezembro de 2010

Vitoriamundo


Vitória é uma cidade de projetos desperdiçados, de inúmeros projetos deixados incompletos, superpostos os seus riscos, desenhos e ruínas em camadas sobre as suas ruas, praças e avenidas.

Mas talvez seja esta a sina de todas as cidades, incapazes de conterem em seus limites todas as possibilidades pensadas, impotentes elas de completarem as suas faltas e carências.

Vitória é quase uma metrópole, quase uma ilha, quase um balneário, inscritos os seus sonhos públicos e privados em lugares, palavras e fotografias.

Mas talvez seja este o destino de todas as vilas, imaginadas sempre como outros lugares, ambicionadas como novos paraísos terrestres, mas aprisionadas nas suas permanências e nas suas tentativas de transformações.

Vitória é quase uma vida, quase uma graça, quase uma fortuna, é uma expectativa ameaçada, uma promessa frustrada em cada geração.

Mas talvez seja esta a sorte de todos os lugares, sujeitos de nossos sonhos, que flutuam etéreos em nossas mentes, que vagam pelos ares circulando por entre altas nuvens até que possam pousar, em ofertas propícias a nossos sítios e espaços concretos.

Projetos são como desejos, enveredam sozinhos, em contramão, esvoaçam como brisas que permeiam esperanças nos intervalos das duras pedras de nossas ruas e solidões.

São como ventos generosos que nos insuflam alegrias e possibilidades nunca imaginadas até serem, alguma vez, pensadas e inventadas.

Projetos são como intempestivas tempestades a moverem os céus, empurrando ao longe as tristezas e melancolias do repetido e do eterno igual.

E quando eles e elas cessam, ventos e tempestades, na calmaria da morte, somos meninos, menos e menores porque nos faltam os seus riscos e os seus desígnios.

Mas poderemos observar, compreender no quotidiano, o que se anuncia como potência transformadora, da mesma forma que nas frestas do quotidiano e do real o artista ilumina as suas contradições; da mesma forma como o corpo mergulha insatisfeito no exercício do puro gozo?

Nos intervalos do poder e do capital, pequenos e frágeis territórios vão se instituindo, de forma fugaz ou provisória, abrigando eventos mínimos ou extraordinários, com uma menor ou maior inserção nos processos econômicos dinâmicos.

Nestes interstícios, aproveitando-se de sobras em bairros ricos e glebas periféricas, acontecimentos se instalam, se deslocam, se alteram, buscando adquirir melhores posições nos processos de (re) configurações globais do espaço, utilizando-se de táticas que se aproveitam das vantagens locacionais.

São pequenos e móveis estes territórios, como também são transitórios os usos e apropriações gerados por estes deslocamentos, que se aventuram, atrás de diversão, de encontros fortuitos, em busca de pequenos serviços, de jogos de prazeres e fruição, e que alteram os seus percursos e caminhos diante de novos estímulos ou atrações permanentes ou temporárias.

São efêmeros estes eventos, circulam sem deixar riscos, soprando e espalhando novidades e notícias, refrescando os corpos, insaciáveis e ansiosos com a aceleração do tempo, suas duras emoções e sentidos em oposição às desmaterializadas informações, que circulam instantaneamente, mas não satisfazem os desejos e a paixão dos corações ardentes.

Mas é preciso estar sempre atento, aberto às novas possibilidades e potências, descobrir nichos, partes, vetores, é preciso estar disposto a correr riscos e a produzir novidades, para participar, experimentar desta graça, se apropriar desta iniciativa, para se inscrever na teatralidade urbana cotidiana, “lugar privilegiado dos afetos e das paixões”.



3 comentários:

  1. Kleber,
    Bonito texto...esta incompletude da cidade de Vitória, "que é quase uma ilha", é o que nos move e nos faz correr riscos...e deixaremos nossos rastros também...

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  2. Nesta incompletude investi os meus desejos.

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