sábado, 8 de janeiro de 2011

Vento Vitoria

Mas será tarde demais; e eu seguirei sem voz

entre os homens que não se voltam, com o meu segredo.

Eugenio Montale


Vitória. Há uma carícia junto à pele causada pelo vento que se desvia de edificações e me traz o cheiro do mar, aquele mais longe, sem fim no horizonte, e que imagino fica logo aí, o mundo, começa logo depois dos morros, depois do Penedo, pequeno Pão de Açúcar da província, como uma irreal imitação da loja de souvenir.

Reconheço a sua face, Vitória, Brasil, e pergunto-me se há salvação ao seu destino refletido nos astros, descritos de antemão na linha fina de vida, condenados todos os seus moradores, por antecipação e fatalidade, na vaidade e orgulho original de Adão, à danação a ser espantada, expiada em sua fundação.

Reconheço quando por aqui permaneço.

Reconheço quando me movimento em suas irmãs de destino e aflição.

Reconheço, em cada desembarque na cidade desconhecida, já na porta da estação, as pequenas marcas desta partilhada exaustão. Em algumas, são mais explícitos os seus registros, apontam logo, ao viajante, suas penas. Em outras, tímidas e desconfiadas, são mais sutis as marcas de maldição, precisando se acercar a pé em becos e pátios escondidos, em direção a portas e janelas desajustadas, para colher de improviso alguns resíduos desta dor universal, e, no entanto, diz Petrarco: “Eu me deleito com estas penas e estas dores, ... que se me vêm tirar de mim disso, é apesar de mim”.


Vitória está em cada lado e na outra margem de canal, do rio e do grande mar, em cada singular edifício, em detalhes de portas e paredes reproduzidas em série ou em isoladas criaturas espantando, nas esquinas, maus olhados e feitiços.

Vitória está lá, está aqui, por aí, para ser redescoberta, na beira do mar, na linha do cais, nos escuros becos e largas praças, nas tortas e retas ruas e íngremes escadas, na subida do palácio onde, “À direita da escadaria, um pé de fruta-pão e uma mangueira se entrelaçavam em grandes ramagens ”.

Vitória está aqui dentro, em cada pedaço do pedaço, em meu coração e cabeça, em cada palavra dita, degustada e escondida em minha boca, já o que nós “vemos das coisas são coisas, por que veríamos nós uma coisa se houvesse outra?

Vitória está descoberta à perdição, à traição.

“Bem contra a vontade é que estou aqui: quando verei as paragens onde nasci?

“, anotou Auguste Saint Hilaire, em visita ao Espírito Santo, os versos que um gentio cantava.







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